Um estudo publicado na revista Science revela que foram os neandertais que pintaram as primeiras figuras rupestres. E fizeram-no intencionalmente, o que significa que já pensavam de forma simbólica.
As primeiras pinturas rupestres atribuídas, até há pouco tempo, ao Homo sapiens, foram afinal feitas pelo homem de Neandertal, há mais de 65 mil anos, o que faz deles os primeiros artistas na Terra.
Um estudo conduzido por uma equipa de 14 investigadores, de cinco países, incluindo o português João Zilhão, publicado na revista Science, conduziu a esta recente informação. A descoberta revela-se de grande importância: as pinturas analisadas foram feitas intencionalmente, o que mostra que os neandertais tinham já a capacidade de pensar simbolicamente — ao contrário daquilo que se tem dito.
O surgimento da cultura material simbólica representa um limiar fundamental na evolução da humanidade”, disse Dirk Hoffmann, investigador no Instituto Max Planck para a Evolução Antropológica e co-autor do estudo, acrescentando que “É um dos principais pilares do que nos torna humanos”.
Os resultados foram obtidos através de novas tecnologias, que lhes permitiram saber com maior precisão a idade das pinturas existentes em três grutas espanholas: La Pasiega, Ardales e Maltravieso. A equipa descobriu que em grutas separadas por milhares de quilómetros, esta espécie pintou e desenhou figuras, produzindo verdadeiras obras de arte dezenas de milhares de anos antes de o ser humano ter chegado a estes locais — o que se torna evidência clara de que são da autoria dos neandertais.
O surgimento da cultura material simbólica representa um limiar fundamental na evolução da humanidade”, disse Dirk Hoffmann, investigador no Instituto Max Planck para a Evolução Antropológica e co-autor do estudo, acrescentando que “É um dos principais pilares do que nos torna humanos”.
A técnica utilizada: urânio-tório
As técnicas utilizadas até agora não possibilitavam datar com rigor o momento em que as pinturas foram desenhadas. Num comunicado sobre o trabalho, explica-se que nos anos 1990 a datação de radiocarbono com espectrometria já permitiu atribuir uma idade à matéria orgânica, mas com limitações, uma vez que “este método só pode ser aplicado a pinturas negras feitas com carvão”.
Esta equipa utilizou agora o método urânio-tório: na prática, os cientistas recolheram amostras de pequenas crostas de carbonato de cálcio que se acumulam por cima e por baixo das pinturas e mediram a desintegração radioativa do urânio-234 em tório-230, técnica que fornece, assim, uma idade máxima e uma mínima para as pinturas. No vídeo abaixo os cientistas explicam como dataram as pinturas e qual a sua importância.
Mas o que pintaram, afinal, os Neandertais?
A arte rupestre diz respeito às representações artísticas pré-históricas realizadas em grutas, cavernas e até mesmo em superfícies rochosas ao ar livre, e pode manifestar-se na forma de pinturas — o caso das grutas espanholas — ou de gravuras (figuras cravadas nas rochas).
Ali, os neandertais pintaram animais (a vermelho e preto), figuras geométricas (a vermelho), aplicaram pigmentos sobre estruturas de estalagmites e estalactites típicas do interior das grutas e, mais importante, desenharam mãos através da técnica de stencil — ou seja, colocaram a mão e passaram tinta por cima, de maneira a ficar registado o contorno da mão — o que indica que o processo foi realmente feito de forma intencional.
Na gruta La Pasiega, perto de Bilbao, uma pintura em forma de escada, a vermelho, data de mais de 64.800 anos. Na imagem podem ver-se figuras de animais “muito provavelmente bastante mais recentes”.
Em Maltravieso, no oeste de Espanha, pode encontrar-se uma mão em stencil, e na caverna de Ardales, perto de Málaga, há manchas de pigmentos encarnados em cortinas estalagmíticas. No caso de Ardales,João Zilhão, investigador do Departamento de História e Arqueologia da Universidade de Barcelona e do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, explica que “o objetivo era realçar uma formação geológica natural à qual se atribuiria um valor ritual/simbólico/mitológico”.
Um segundo estudo, publicado também por Hoffmann e pela sua equipa, determinou a idade de um depósito arqueológico localizado em Cueva de los Aviones, uma gruta no mar, em 115 mil anos, como escreve o jornal The Guardian.
Para mim, a descoberta encerra o debate sobre os neandertais”, disse João Zilhão, investigador na Universidade de Barcelona. Citado pelo The Gaurdian, acrescenta: “Eles são parte da nossa família, eles são antepassados, não eram cognitivamente distintos ou menos dotados em termos de sabedoria. Eles são apenas uma variante da espécie humana que já não existe”.
Com cerca de 65 mil anos, as pinturas são as mais antigas conhecidas em grutas em todo o mundo. “Estes resultados sugerem que as pinturas rupestres já não distinguem os neandertais dos humanos modernos”, disse Adam Van Arsdale, professor de antropologia na Wellesley College, à AFP.
Para mim, a descoberta encerra o debate sobre os neandertais”, disse João Zilhão, investigador na Universidade de Barcelona. Citado pelo The Gaurdian, acrescenta: “Eles são parte da nossa família, eles são antepassados, não eram cognitivamente distintos ou menos dotados em termos de sabedoria. Eles são apenas uma variante da espécie humana que já não existe”.